Prisão domiciliar para mulheres

17/03/2020
Em fevereiro de 2018, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus coletivo em nome de todas as mulheres presas gestantes, que fossem mães de crianças menores de 12 anos ou tivessem sob custódia pessoas com deficiência. A decisão também foi estendida às adolescentes em situação semelhante que estivessem recolhidas no sistema socioeducativo. 
Na época, a turma determinou o prazo de 60 dias para que a decisão fosse cumprida pelos Tribunais, o que, por óbvio, não ocorreu, pois não se tinha sequer o número total de presas que pudessem vir a ser beneficiadas com a decisão.
Passados alguns meses, sobreveio a Lei nº 13.769, datada de 19 de dezembro de 2018, que, entre outras alterações, ratificou em seus artigos o que o STF já havia decidido anteriormente, sobre os novos benefícios para mulheres gestantes, mães ou responsáveis por menores ou deficientes recolhidas provisoriamente.
A referida lei alterou o art. 318 do CPP afim de ampliar as possibilidades de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, incluindo nelas as mulheres gestantes, mães ou responsáveis por menores ou pessoas com deficiência, desde que não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente, passando assim a dispor:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Com a advento da nova legislação, entende-se que passou a ser regra a substituição da prisão preventiva pela domiciliar nos casos taxados acima, não ficando mais a critério do julgador a aplicação ou não do benefício. Evidente que há casos excepcionais, nos quais deve ser mantida a prisão preventiva, entretanto, resta claro que a regra passou a ser a substituição pela prisão domiciliar nos casos comtemplados pela nova norma.
A corroborar com a alteração legislativa está o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que após a publicação lei, reconheceu que a prisão domiciliar de que trata o novo art. 318-A, CPP, também deveria ser aplicada nos casos de execução provisória da pena, conforme Informativo de Jurisprudência nº 647, que assim dispõe:
“A concessão da prisão domiciliar com base no art. 318-A do CPP aplica-se também no caso de execução provisória da pena.”
Vale lembrar ainda que, os benefícios acima explanados também podem ser aplicados caso a mulher seja reincidente, tendo por norte a excepcionalidade da prisão. Entende-se que o simples fato da mulher ser reincidente, não afasta o direito à concessão da prisão domiciliar, todavia deve-se analisar individualmente as circunstâncias de cada caso concreto.
Importante destacar que a principal finalidade da lei é a proteção à criança e/ou pessoa com deficiência, visto que o afastamento da mãe por conta da prisão preventiva, pode vir a trazer diversos prejuízos aos mesmos.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, quando da concessão do Habeas Corpus coletivo, no início de 2018, já manifestou a preocupação com o fato do Estado Brasileiro não ser capaz de garantir os cuidados pré-natal e direito à maternidade sequer às mulheres que não estão recolhidas, o que restaria então para as presas, tendo em vista que a maioria  dos estabelecimentos penais do país não possuem estruturas adequadas para gestantes, berçários ou centro de referência materno-infantil e creches.
O STF destacou ainda que não pode haver a transferência de pena das mulheres para os filhos destas, relatando que, à época, havia mais de 2 mil crianças sofrendo injustamente atrás das grades pelos delitos cometidos por suas genitoras, o que é inaceitável à luz da nossa Constituição Federal, tendo em vista que em seu art. 5º, XLV, prevê o princípio da intranscendência, segundo o qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.
Ademais, a Constituição Federal, em seu art. 227, determina a prioridade absoluta à concretização dos direitos das crianças e adolescentes, assim dispondo:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A privação de liberdade da mãe e suas consequências restam, de alguma forma, estendidas às crianças, sendo evidentes os impactos negativos no bem-estar físico e psíquico de ambos, tanto no decorrer da prisão da mulher quanto na separação posterior da genitora e seu filho.
Por outro lado, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, deve-se analisar as particularidades de cada caso concreto, visto que, nas situações as quais se verificar que a presença da genitora acarreta risco direto aos direitos dos menores e/ou dependentes, a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar poderá ser negada pelos Magistrados.

Este texto foi escrito por Caroline Jaques Lopes e publicado em https://www.charlinepinheiro.adv.br/blog/post/12/prisao-domiciliar-para-mulheres